“Tintas”, de Cristina Iglesia

Iuri Müller
2 min readMay 17, 2022

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Ninguém pode imaginar como agradeço aos que fazem com que se desperte em mim qualquer imagem, por apagada que seja, daqueles anos. Tenho uma má propensão para essas lembranças e, quando elas reaparecem, quase sempre erguidas por alguém que, de fora, as coloca em movimento, deixo com que flutuem um pouco, aproveito-as, porque, por mais terríveis que sejam, pior seria não recordar ou recordar apenas o vazio de algo que, alguma vez, esteve cheio, cheio até as bordas.

Certos dias de não sei que meses, mas entre os anos de 76 e 78, costumava entrar em um salão de beleza da rua Bacacay com a mesma força impulsiva com que me refugiei de diferentes formas de angústia em diferentes salões femininos — e por vezes também masculinos — ao longo da vida. O salão estava quase escondido na entrada de uma travessa. Era um ambiente desolado que dava para uma rua silenciosa e seu dono esperava, com detalhada esperança, mobiliá-lo no futuro como deveria ser. Quando a ocasião se apresentava, me relatava um panorama minucioso desse futuro, incluindo os quadros que decorariam as paredes e os arranjos de flores secas que estariam em cada canto.

Na minha lembrança, o salão tinha só umas poucas cadeiras e uma mesa de fórmica para revistas, além de um velho secador em pé: não há nada pendurado nas paredes porque a decoração definitiva seria completa, avassaladora. (Esses ambientes semivazios à espera de uma completude que, podemos intuir, jamais chegará, sempre me encheram de melancolia e, ao mesmo tempo, me soavam familiares, porque muitas vezes vivi em lugares parecidos e que apenas dissimulavam melhor a inutilidade da espera.)

O mais importante, de todo modo, era que naquelas escapadas eu estava a salvo e estava viva enquanto o Gato colocava o meu cabelo de molho e massageava a minha cabeça atormentada por tantos pensamentos simultâneos. Durante aqueles anos, para mim difíceis de se recordar, os salões de beleza de bairro foram pequenos refúgios, pequenos remansos acomodados entre um antes e um depois repletos de medo: algo me mostrava que ali eu estava segura e podia me abandonar ao prazer de que meu cabelo fosse lavado e penteado com suavidade, como se naquela mesma noite eu tivesse um compromisso noturno, como se estivesse prestes a comparecer a uma festa impossível.

De Corrientes, editora Beatriz Viterbo, 2010.

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