Páginas de um rio (VIII) — Idea Vilariño

Iuri Müller
4 min readJul 2, 2021

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Idea Vilariño (1920–2009) foi tradutora, ensaísta, professora e - antes que nada - poeta. Viveu em Montevidéu e publicou, entre outros, os volumes de poemas Nocturnos e Poemas de amor, afirmando-se como uma das vozes mais significativas da chamada Geração de 45 no Uruguai e da poesia em língua espanhola em seu tempo. Vilariño teve parte da sua obra traduzida ao português pelo escritor gaúcho Sergio Faraco, em edição que se encontra esgotada há muitos anos. A seguir, propõe-se nova transposição de cinco dos seus poemas.

1. La noche

La noche pozo suave
y atorado de sueños
soporta aun la cuota
de otro y la rebasa.
La noche que es eterna
que ignora el sol y el bárbaro
simulacro del día
que perdura intocada.
Su tinta como un ácido
destruye las miserias
que a la hora veinticuatro
cada día le arroja.
La noche pozo suave.

1. A noite

A noite poço suave
e apinhado de sonhos
suporta mesmo a quota
alheia e a rebaixa.
A noite que é eterna
que ignora o sol e o bárbaro
simulacro do dia
que perdura intocada.
Sua tinta como um ácido
destrói as misérias
que à hora vinte e quatro
cada dia a despeja.
A noite poço suave.

***

2. Calle Inca

Faroles inca ruben
subiendo por la cuesta
flores de paraíso por el suelo
la escuela
mil novecientos cuánto
la esquina las estrellas.
El jardín inca ruben
tibio escalón silencio
ramas entrelazadas
una hormiga subiendo
tibio frío la luna
las estrellas sin cuento.
Olor a tierra ruben
jazmín y madreselva
los laureles rosados
los helechos la tierra
la pared encalada
las estrellas la verja.
Frío ruben lo oscuro
olor de aquellas flores
de aquellos años fiestas.
Una hormiga subiendo
faroles inca ruben
su camisa celeste.

2. Rua Inca

Luzeiros inca ruben
subindo pela borda
flores de cinamomo pelo chão
a escola
mil novecentos quanto
a esquina as estrelas.
O jardim inca ruben
morno degrau silêncio
galhos entrelaçados
uma formiga subindo
morno frio a lua
as estrelas sem conto.
Cheiro de terra ruben
jasmim e madressilva
os louros rosados
as folhas a terra
a parede com cal
as estrelas a cerca.
Frio ruben o escuro
cheiro daquelas flores
daqueles anos festas.
Uma formiga subindo
luzeiros inca ruben
sua camisa celeste.

***

3. Por allá estará el mar

Por allá estará el mar
el que voy a comprarme
que veré para siempre
que aullará llamará
extenderá las manos
se hará el manso el hermoso
el triste el olvidado
el azul el profundo
el eterno el eterno
mientras los días se vayan
la vida se me canse
el cuerpo se me acabe
las manos se me sequen
el amor se me olvide
frente a su luz
su amor
su belleza
su canto.

3. Lá estará o mar

Por lá estará o mar
o que vou comprar para mim
que verei pra sempre
que uivará chamará
estenderá as mãos
que se fará o manso o bonito
o triste o esquecido
o azul o profundo
o eterno o eterno
enquanto os dias se vão
a vida se canse
o corpo se acabe
as mãos se sequem
o amor se esqueça
diante da sua luz
seu amor
sua beleza
seu canto.

***

4. Escribo pienso leo

Escribo
pienso
leo
traduzco veinte páginas
escucho las noticias
escribo
escribo
leo.
Dónde estás
dónde estás.

4. Escrevo penso leio

Escrevo
penso
leio
traduzo vinte páginas
ouço as notícias
escrevo
escrevo
leio.
Onde estás
Onde estás.

***

5. Ya no

Ya no será
ya no
no viviremos juntos
no criaré a tu hijo
no coseré tu ropa
no te tendré de noche
no te besaré al irme.
Nunca sabrás quién fui
por qué me amaron otros.
No llegaré a saber por qué ni cómo nunca
ni si era de verdad
lo que dijiste que era
ni quién fuiste
ni qué fui para ti
ni cómo hubiera sido
vivir juntos
querernos
esperarnos
estar.
Ya no soy más que yo
para siempre y tú ya
no serás para mí
más que tú. Ya no estás
en un día futuro
no sabré dónde vives
con quién
ni si te acuerdas.
No me abrazarás nunca
como esa noche
nunca.
No volveré a tocarte.
No te veré morir.

5. Não mais

Já não será
não mais
não viveremos juntos
não criarei o teu filho
não costurarei tua roupa
não te terei à noite
não te beijarei ao ir-me.
Nunca saberás quem fui
por que me amaram outros.
Não chegarei a saber por que nem como nunca
nem se era verdade
o que disseste que era
nem quem foste
nem o que fui para ti
nem como teria sido
vivermos juntos
querer-nos
esperar
estar.
Já não sou mais que eu
para sempre e tu já
não serás para mim
mais que tu. Já não estás
em um dia futuro
não saberei onde vives
com quem
nem se lembras.
Não me abraçarás nunca
como essa noite
nunca.
Não voltarei a tocar-te
Não te verei morrer.

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